quarta-feira, 16 de julho de 2008

A Sombra



Comecei um novo curso de inglês - conversação, nível intermediário. Professora tri boa, lugar tri bonito (Jones Library - http://www.joneslibrary.org), aulas relevantes, bons colegas, poucos chineses... Mas uma coisa tem me incomodado profundamente: uma colega coberta da cabeça aos pés, incluindo seu rosto. Ela é muçulmana e usa xador (segundo a Wikipedia, "O xador é uma veste feminina que cobre o corpo todo com a exceção dos olhos"), ou seja, não conheço mais do que os olhos dela, ou melhor, nem isso, porque ela usa óculos. É uma mulher sem rosto, sem identidade.
Não acredito que relativismo cultural se aplique nesse caso. Isso é uma violação dos direitos humanos. Uma violação dos direitos femininos e uma ofensa a mim. Se homens e mulheres muçulmanos andassem cobertos, eu não implicaria, mas não é o caso. Só as mulheres têm que se esconder embaixo de panos, mesmo no calor do verão. Montage (este é o nome da minha colega) me explicou que as meninas, após menstruarem, têm que usar o véu para "esconder suas belezas e só mostrá-la para os seus futuros maridos". Argh! Que raiva!!! E os maridos? Não têm "beleza" pra esconder, não?
O pior é que essas mulheres são vítimas, mas são, também, transmissoras desses "valores", uma vez que são elas quem criam as filhas e os filhos. Os filhos são um caso a parte.
Você sabia que, em muitos países, uma mulher muçulmana não pode andar sozinha na rua, sem um homem da família para acompanhá-la? E que esse "homem da família" pode ser o filho dela de 10 anos? Como assim? Quer dizer que um piá de m... de 10 anos tem mais credibilidade, nessas sociedades, do que uma mulher de 30 anos? E de novo, são as mulheres que criam esses fedelhos desse jeito, pensando que eles têm autoridade sobre "suas" mulheres (mães, irmãs, esposas, filhas, etc.).
Mas voltando à Montage, somos só mulheres na turma, então acho que ela se sentiu "segura" para tirar o véu. Nesse dia, quando eu cheguei na sala, achei que tínhamos uma nova colega. Sim, como eu saberia que era a mesma colega das outras aulas, se eu nunca tinha visto o seu rosto? Tecido por tecido, poderia dar oi prum lençol no supermercado, pensando ser ela.

Me sinto constrangida vendo uma mulher ser tão submissa e ainda se justificar sobre isso; me sinto ofendida por que o marido dela e os outros muçulmanos acham que eu estou errada e, se eles pudessem, me colocavam um véu, também. Um véu e uma mordaça. Um véu, uma mordaça e uma venda nos olhos. Um véu, uma mordaça, uma venda nos olhos e uma lobotomia.

19 comentários:

Adriana PS disse...

Já tive vários alunos mulçumanos e alunas também. E já tive alunos mulçumanos e judeus na mesma sala de aula até. Não acho que eu saiba mais sobre eles do que tu, na verdade, porque confesso que apesar de longas conversas, só conheço a cultura deles por cima. Sempre achei interessante dar aula para uma mistura de gente, e ainda acho. E uma coisa que aprendi é nunca julgar como os outros devem se sentir na cultura deles. Não estou dizendo que é justo ou injusto. Só estou dizendo que aquilo que julgamos confortável pra gente, pode não ser confortável para os outros, e vice e versa. Me diz uma coisa, quando tu vais a praia tu usas a parte de cima do biquini? Por que se os homens não cobrem o peito?

Aninha disse...

Eu concordo contigo que cobrir o peito ou não é uma convenção aceitável em nossa sociedade, embora o grau de aceitabilidade varie de cultura pra cultura. Em alguns lugares da França é mais aceitável fazer topless do que nos EUA. Isso não quer dizer que ter que cobrir totalmente o corpo seja só uma questão cultural ou de se sentir confortável. Isso - cobrir todo o corpo, não poder sair de casa sem a companhia de um homem, etc - é só a ponta do iceberg de todo um sistema de repressão feminina, justificado pela religião.
Além disso, não acho que dê para comparar biquini com xadór, porque embora eu ainda tenha que usar a parte de cima do biquini, sou EU quem decide se vou para a praia de calça, biquini, saia ou salto alto, não meu marido. Sim, existem países onde as mulheres podem escolher usar ou não xador, mas existem outros onde elas não têm escolha. É isso, ou apedrejamento público. Eu não acho que isso seja uma questão de conforto e sim só a parte visível de um sistema que pode abranger desde o controle de todas as escolhas de uma mulher até a extirpação de clitóris.
Em resumo, cultura é cultura, mas não dá pra relativizar a ponto de achar que esse tipo de opressão é apenas uma questão de ponto de vista.

Adriana PS disse...

A questão é que a menina que esta na tua aula esta nos EUA, e embora ela seja uma representação de uma cultura e religião inteira, assumir que ela se cobre porque o marido dela exige isso dela é meio precipitado (de repente é o caso mesmo). O meu ponto é que é possível que ela se cubra porque foi o que ela fez a vida inteira, e é isso que ela conhece, e é assim que ela se sente confortável. E eu sei que em outras culturas as mulheres não usam a parte de cima do biquini. Mas minha pergunta foi pessoal, eu queria saber se TU se sentiria confortavel. Eu estou perguntando se tu estivesse no lugar dela, e tivesse sido criada como ela, que tu faria? E o problema é que ela vem para um pais onde as coisas são diferentes, e as pessoas a julgam o tempo todo. Assumem que ela é deprimida, abusada, e que tem um marido que não a respeita. Assumem que ela é o tipo de mulher que deixa isso acontecer com ela e com as filhas dela. Assumem que ela é fraca, ou sentem pena dela por ela ser daquela cultura. Seria muito melhor se as pessoas vissem ela por quem ela é. Se aproximassem dela por ela ser uma pessoa, uma mulher, com opiniões e histórias para contar. E quem sabe tu poderias dividir com ela teu ponto de vista do mundo, e ela poderia perceber que de repente exitem outras formas dignas de viver. Se "ofender" com a cultura de outra pessoa, por mais errado que aquela cultura parece pra ti, é perigoso. Porque ofensa não leva a solução alguma, na minha opinião.

BrunoCS disse...
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BrunoCS disse...

"O meu ponto é que é possível que ela se cubra porque foi o que ela fez a vida inteira, e é isso que ela conhece, e é assim que ela se sente confortável."

O fato de ela ter sido acostumada a ter que fazer isso desde pequena nao quer dizer nada sobre o costume em si. Alias, no pior caso só torna a coisa toda muito pior. O fato de alguem se sentir desconfortavel ao NAO se tapar totalmente de preto, sob ameaca (literal) de ser apedrejada em publico, isso sim é assustador.

Eu pessoalmente duvido que as mulheres realmente gostem de ser submissas e de nao terem direito de falar porra nenhuma (e indiretamente é isso que aquelas roupas de pinguim representam). Com certeza as muculmanas podem achar isso normal e já terem na ponta da lingua mil explicacoes ("tenho que esconder a minha beleza"), mas, como eu disse, o proprio fato das pessoas (muculmanas e nao-muculmanas) acharem que é ok forçar isso pra cima das mulheres é um problema quase tao grande, na minha opiniao, quanto o uso xador em si. O Dawkins tem uma secao interessante no ultimo livro dele onde ele discute o quao horrivel é que hoje em dia se considere aceitavel esse tipo de coisa só porque sempre foi feita ou porque (sei que esse nao é o teu caso) seria "questao de liberdade religiosa". Se a gente sempre relativizasse e achasse aceitavel as coisas só porque as pessoas estao acostumadas e porque elas sempre foram feitas, a gente ainda estaria na idade da pedra.

Acho que o meu ponto é que só porque uma sociedade sistematicamente obriga as mulheres a se submeterem e serem tratadas como lixo, isso nao quer dizer que essas coisas devam ser encaradas como "ah, é só uma questao de cultura". Mesmo que as mulheres de lá achem que isso é normal. Senao, como a Ana disse, a gente teria que achar que é normal/aceitavel/esperado que se arranque o clitoris das mulheres. E eu nao acho isso aceitavel, mesmo que seja normal na "cultura" deles. Só porque uma coisa é sistematicamente repetida numa sociedade, essa coisa nao se torna automaticamente justificavel sob o conceito de cultura. Mesmo que as pessoas daquela cultura achem que aquela coisa é normal, ainda assim acostumar as pessoas com uma coisa horrivel nao torna a coisa menos horrivel.

E é claro que a mulher pode ser muito legal, muito interessante, e ter muitas historias legais para contar. A ofensa, eu acho, nao é com a mulher em si, e sim com o que aquilo tudo representa. Eu tambem me ofendo pessoalmente quando vejo uma mulher ter que se submeter daquele jeito, da mesma forma que me ofendo quando vejo religiosos malucos apavorando crianças com a possibilidade de elas pegarem fogo de cabeça pra baixo pra toda eternidade.

Tu tem razao em que as culturas diferem e que é complicado fazer comparacoes, mas pra mim a Carta dos Direitos do Homem ainda é o peso maior de todos. Tratar as pessoas como lixo nunca é aceitavel. O fato de elas acharem normal só deixa a coisa toda mais triste.

ps: acho que a Ana nao ia querer sair sem a parte de cima do biquini. Claro, aí tu poderia dizier: "ah, viu! é porque ela foi acostumada a fazer desse jeito, e é desse jeito que ela está se sente confortavel". E tu teria razao. A diferença está no contexto em que isso acontece. De um lado, a falta do biquini faria ela ser repreendida (talvez presa), mas nunca apedrejada. A linha de vai do biquini ao xador varia de pouquinho em pouquinho, mas em algum lugar a gente precisa desenhar o ponto de corte do que é só uma convencao e do que é a expressao de um conjunto de taticas sistematicas de opressao medieval.

ps2: esses dias descobri que o Corao literalmente diz que é pra cortar os pés dos descrentes e crucificar eles. Eu nao tenho absolutamente nenhum respeito mais por essa "cultura". Quer dizer, nao enquanto eles nao desistirem de cortar meus pés :-)

Aninha disse...

Amor, desculpa te decepcionar, mas não teria problemas em fazer topless...

BrunoCS disse...

Vou mandar os muculmano cortarem teus pé fora.

Adriana PS disse...

Em nenhum momento eu disse que é Ok forçar isso nas mulheres mulçumanas. O que eu disse é que é injusto achar que é errado ELAS (ou no caso, a menina colega da Ana) acharem que é normal. É injusto tu olhar pra guria com pena, e não tratar ela como uma pessoa, porque foi isso que fizeram com ela a vida inteira. Não estou justificando o que eles fazem, só estou falando que seria melhor tentar ENTENDER (não justificar) como ela se sente e por que ela faz o que faz. No fim olhar com pena, ou ofensa pra guria, é ser hostil. E é exatamente isso que eles dizem que acontece quando eles vêm pra cá. É por isso, pela maneira como as pessoas olham pra eles e os julgam, é que eles querem voltar correndo para o pais deles. As duas alunas que eu tive se cobriam também, e trabalhavam, e tinham hobbies, não tinham filhos ainda, e pareciam mulheres felizes. Nunca vou saber o que acontecia dentro da casa delas com os maridos delas (apesar de eu ter conhecido os maridos pessoalmente e eles pareciam decentes). Mas a verdade é que não sabemos isto de nenhuma mulher. Se o marido a bate, abusa, ou trai. Os alunos homens que tive nunca me faltaram com respeito, e eu era professora deles, alias, eles foram uns dos alunos mais bem educados que eu tive. E eles sempre tiveram abertos para conversar sobre a cultura deles (tanto os alunos homens quando mulheres). Tudo isto que tu e a ana falaram, sobre mulheres não terem a palavra (elas não podem nem testemunhar em corte, porque a palavra delas não vale nada, talvez a palavra de duas mulheres possa valer por a de um homem), serem apedrejadas, e sofrerem diversos tipos de abuso fisico e moral, é verdade, e é sabido por todo mundo (inclusive por mim). É triste, é horrível, tem que ser mudado. Mas olhar com OFENSA pra guria só porque ela vêm de um lugar onde tudo isso acontece, não ajuda NADA. Só faz ela querer ir embora pro pais dela. Olhar com ofensa só ajuda a ti, porque faz tu se sentir bem, porque tu sabes o que é certo ou errado, ao contrário dela. Meu ponto aqui é no nivel de indivíduo. O que vocês estão me dizendo é que vocês nunca poderiam sentar com ela e conversar? Porque ela veio de e representa esta cultura. Porque vocês se sentem ofendidos por todas as mulheres que sofrem o mesmo e ainda por cima acham que é OK.

Aninha disse...
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Aninha disse...

Não, eu não disse isso. Disse que me sinto ofendida pelo que ela representa, não por ela como pessoa. Não mencionei que eu converso com ela, mas não sei por que você pensou que eu NÃO conversava. Ok, como eu não comentei nada, tinha 50% de chance de eu não conversar, mas não é o caso. Não estava falando dela, mas do que ela representa. E como mulher e humanista, me sinto ofendida pela cultura muçulmana, sim. O post não era sobre a pessoa "Montage"; era sobre todas as mulheres que são oprimidas pela cultura muçulmana. E sobre todas as mulheres que, como eu, gostariam que isso mudasse.

BrunoCS disse...

"O que eu disse é que é injusto achar que é errado ELAS (ou no caso, a menina colega da Ana) acharem que é normal."

Como a Ana disse, o errado nao é ela achar normal. Isso é esperado, já que ela foi educada e ameaçada a vida toda pra pensar assim. Como eu disse no outro post, a ofensa NAO é com ela pessoalmente, e sim com o que aquilo tudo representa. Eu nao tenho nada contra aquela mulher em si. O post original (pelo menos da forma como eu li) é uma critica sobre uma cultura tao opressiva a ponto de fazer uma mulher perder o rosto pro resto do mundo. É *obvio* que aquela mulher individualmente ainda tem a identidade dela, escondida debaixo daquele monte de pano. A indignacao nao é com ela achar isso normal; é com a "cultura" que faz ela ter que passar por isso. E se sentir ofendido pela forma como aquela sociedade trata as mulheres NAO é uma forma de sentir pena dela, nem de "nao entender" porque ela tá nesse estado, como tu disse. Pelo contrario. Se sentir profundamente ofendido com o fato de algumas mulheres ainda terem que passar por isso é o primeiro passo pras pessoas verem o quao inaceitavel esses costumes sao, e com sorte no futuro mudar alguma coisa. Ou pelo menos foi assim que eu li o post da Ana. Como um comentario sobre o quao absurdo é uma mulher ter que se sujeitar ainda hoje a isso, e sobre como isso é uma violacao dos direitos do homem, e sobre como elas perdem parte da identidade pro resto do mundo.

Se tu olhar o post da Ana, ela tambem nao fala mal da mulher individualmente. O post fala de como ela (a Ana) acha que isso é uma violacao dos direitos humanos, de como a mulher, por ter que fazer esse tipo de coisa, perde parte da identidade pra quem olha de fora (sendo o exemplo nesse caso o de que ninguem se deu conta de que era a mesma pessoa, quando ela veio pra aula sem o véu), e de como é ainda mais triste que sejam as proprias mulheres que acabem perpetuando esses habitos.

Resumindo, eu me sinto ofendido com ter que ver mulheres fazerem isso e com algumas pessoas acharem que nao tem problema nenhum (independente se forem as proprias mulheres ou os maridos que nao acham problema). De novo, eu nunca disse - pelo contrario, que nao é *esperado* que ela se sinta assim; só estou dizendo que é, na verdade, ainda mais triste que alguem (no caso ela mesma) considere que é normal se submeter dessa forma.

O problema todo eu acho tá no uso da palavra "ofensa". A guria nao me ofende pessoalmente, é claro; eu nem conheco ela. O que ela é obrigada a fazer (achando ela normal ou nao) é que me ofende profundamente. O que me ofende é isso que chamam de "cultura" muçulmana e que na verdade é só um nome aceitavel pra um conjunto de coisas horriveis que eles fazem uns com os outros. E é por essa razao que obviamente eu nao teria nenhum problema em falar com ela, conhecer ela, ou que eu ache automaticamente que ela é deprimida, burra, ou qualquer coisa. Eu tambem duvido que a Ana pense isso, e pelo menos da forma que eu li o post original, a argumentacao nunca foi depreciando a mulher em si, e sim falando do absurdo que é isso ainda acontecer. Imagino que a Ana, enquanto mulher, se ofenda com a situacao por se colocar no lugar dela e ver o quao ruim a coisa é. A raiva nao é da mulher, e sim do que ela é obrigada a fazer. Na verdade a unica "raiva" que a Ana menciona no post seria com os maridos delas, que obrigam elas a fazerem isso e ainda dao umas justificativas furadas em nome da "beleza" ou da religiao; o post nunca foi sobre destratar a Montage ou olhar pra ela com pena, nem nada disso. Com certeza ela deve ter varias historias interessantes, como qualquer outra pessoa. A ofensa e todo o problema é com o que aquela roupa e os costumes representam: um monte de costumes medievais absurdos, inaceitaveis e horrorosos.

Mas claro, isso tudo que eu disse pode mudar se um dia ela vier aqui em casa e tentar cortar meus pés e depois me crucificar.

Rogério Santos disse...

Opaaaaaaa!! Cuidado, Ana. Não deixe o etnocentrismo te dominar. Você é historiadora e por isso sabe mais do que ninguém que as coisas não são bem assim.

Ao invés de dizer que "isso é uma violência", "uma afronta" e coisas do tipo, você deveria perguntar-lhe (se é que já não perguntou) se ela acha que isso é uma violência, ou seja, se ela se sente mal ao cobrir o corpo todo e só deixar à mostra os olhos. Isso pode ser um incômodo para ti, mas para ela isso é a coisa mais natural do mundo. Vá com calma.

Elas passam esses valores para os filhos porque foram criadas dessa forma; elas não conheceram outros valores, e por isso passam o que aprenderam. Assim como você passará aos seus filhos (caso queira ter um, é claro) os valores culturais que você aprendeu até agora.

E mais: assim como você acha que usar o xador é uma demonstração de violência contra as mulheres muçulmanas, ela também pode pensar que você é vulgar por vestir-se da forma que se veste ou que você faz isso porque não tem um marido para proteger-te. Depois que ela souber (se é que já não sabe) que você é casada, ela ainda vai ficar mais estupefata ainda, primeiro com o fato de você se vestir assim e segundo por pensar que o seu marido é um banana que não sabe proteger a mulher que tem. Você já pensou nisso??

Cultura é assim mesmo, minha cara. Não vou alongar-me mais nesse campo, pois seria a mesma coisa de ensinar o pai-nosso e a ave-maria ao papa.

Aninha disse...

Pois é, Rogério, mas você sabe que, no Ocidente, até o século XIX, as mulheres também eram oprimidas e também eram perpetuadoras da dominação que sofriam. Mas a exclusão das mulheres da vida pública, do direito à educação e da plenitude dos seus corpos não durou para sempre.
Não é porque essas mulheres acham "normal"serem oprimidas, porque essa foi a única educação que elas tiveram, que isso seja certo, ou que tenha que durar pra sempre, ou que eu ache isso natural.
Não, não concordo com chicoteamento público para mulheres adultas, donas de seu corpo e de suas vontades, que saem desacompanhadas na rua. Não, não concordo com extirpamento de clitóris. Não, não concordo com o fato de que as mulheres tenham todos os aspectos de sua vida restritos, inclusive com restrições ã sua vestimenta.
A questão é que não se trata de cultura e, sim, de opressão.
O fato delas não se sentirem oprimidas, não faz delas não-oprimidas.
Uma mulher, no Brasil, que apanha do marido, mas que acha isso normal, porque a mãe dela apanhava e foi isso que ela aprendeu que uma esposa deve fazer, não é menos oprimida só porque não denuncia o marido.
Meu post trata do horror que é, pra mim, como mulher, ver outras mulheres sendo caladas, espancadas, estupradas, mutiladas e, pior, serem levadas a achar que isso é normal.

Anônimo disse...

Quero deixar registrado aqui que, assim como você, eu não sou a favor de nada disso. Não sou a favor de chicoteamentos e apedrejamentos públicos, de extirpação de clitóris, de restrição às vestimentas, menos ainda do fato de uma mulher não poder sair sozinha na rua. Todas as pessoas têm direito de ser soberanas sobre os seus corpos, e as mulheres não devem fugir a essa regra. O que eu estou tentando dizer é que só a elas cabe mudar isso. Nós podemos propor, conversar, explicar, mas a decisão de rebelar-se contra esses costumes é exclusivamente delas.

Sobre essa questão do véu, eu tenho uma história para contar. Um dia eu estava assistindo ao Provocações, da TV Cultura, e na oportunidade o apresentador (Antônio Abujamra) entrevistou o jornalista José Arbex Jr. Em um determinado momento da entrevista, Arbex disse que havia ido a um país muçulmano (não lembro qual) a fim de fazer uma reportagem, e na ocasião ele entrevistou uma militante feminista. Ela, segundo ele, fez várias considerações contra todas as formas de violência imposta às mulheres, e por conta disso ele perguntou o seguinte: "já que você está falando disso, eu quero saber quando você vai tirar esse véu da sua cara". Ao ouvir essa pergunta, ela ficou furiosa e retrucou: "como é?? Quem é você para fazer-me uma pergunta dessas?? Eu não sei há quanto tempo o seu país existe, mas eu tenho certeza de que bem antes de ele existir nós já usávamos o véu. Você não acha que é atrevimento demais da sua parte vir aqui dizer-me que usar véu é uma violência contra a mulher?". Depois disso tudo, Arbex disse que se sentiu um completo imbecil diante dela.

Outro caso: quando os portugueses tomaram o controle de Moçambique, eles se depararam com a prática da clitoridectomia. Viram que existiam pessoas especializadas nesse tipo de "cirurgia", e por considerarem a prática "bárbara e selvagem", criminalizaram a prática e começaram a colocar os "cirurgiões" na cadeia. Pensou você que a prática acabou? Nada disso. As próprias mulheres passaram a clitoridectomizar-se, pois elas já haviam internalizado que ficariam mais bonitas e desejáveis sem o clitóris, uma vez que nenhum homem casaria com uma mulher que ainda possuísse o clitóris.

O que você diria a essa militante feminista ou a uma mulher moçambicana dessa época??

Aninha disse...

Ainda existe escravidão no mundo. Quer dizer que eu devo deixar que os próprios escravos se rebelem contra o sistema, sem fazer nada para ajudar? Sem abrir minha boca para criticar?
E o véu é só a ponta do iceberg. O que aconteceria se uma mulher saísse na rua sem o véu? Iam achar ela bonita? Não, iam apedrejar ela. Essa é a diferença dela para mim. Se eu saio de microssaia ou de vestido longo ao meio-dia, não é da conta de ninguém, a escolha foi minha. Podem até me apontar na rua, rir de mim, mas não serei presa ou espancada.
De novo, o véu é só a ponta do iceberg.

Anônimo disse...

Eu não disse que nós devemos ficar impassíveis diante desse quadro. Muito pelo contrário. É nossa obrigação criticar as merdas que existem no mundo. Além disso, eu entendi perfeitamente que o véu é a ponta do iceberg de todo um sistema de opressão imposto às mulheres.

Todavia, você há de convir que não é possível consertar tudo. Por mais que nós queiramos, nós não podemos entrar nos países onde esse tipo de prática ainda acontece e impedir que as pessoas ajam da forma que agem. Se eliminar maus hábitos dos nossos pais, mães, maridos, esposas, filhos e filhas já é complicado pacas, imagine só quão complicado será mudar desvios de conduta de pessoas que vivem em regiões distantes da nossa e que sequer entendem a língua que nós falamos.

Proponho que nós saiamos do campo das discussões teóricas e apontemos soluções concretas e viáveis (vou complicar a porra toda). O que você proporia para acabar com essas práticas?

BrunoCS disse...

Rogério,

Acho que o primeiro passo para sair da teoria, como tu sugere, é fazer exatamente o que a Ana fez: não apenas criticar o absurdo dessa situação opressiva, como também confrontar todos que tentam justificar isso sob o relativismo cultural.

É engraçado como tantas pessoas prontamente falam que todos esses "hábitos" e essa "cultura" sao aceitáveis, e que a crítica a esse tipo de opressao é, nas tuas proprias palavras, "etnocentrismo". Nao entendo como tu pode dizer que é contra todas essas violências e ainda assim vir com uma frase do tipo "cultura é assim mesmo". Não, não é! O primeiro passo pra "sair da teoria" é parar com essa bobagem de que cultura é assim mesmo. Isso nao é cultura. É opressão.

E sobre a entrevista onde o cara se sentiu "um completo imbecil", nao entendi o teu ponto. E daí que o país dela obriga as mulheres a vestirem o véu desde sempre? Isso legitima alguma coisa? Tortura e estupro tambem sempre existiram. Qual o ponto de argumentar por esse ponto de vista? Tempo de existência de um sistema opressivo não torna ele mais aceitável.

Só vamos conseguir sair de teoria depois que todo mundo parar com essa bobagem de rotular críticas a uma sistema opressivo como sendo "etnocentrismo", ou dizendo que "cultura é assim mesmo". Desculpe ser tão direto, mas se tu é realmente contra tudo isso -- como diz ser, nao entendo como pode tentar argumentar que talvez "elas nem se importem tanto". Por que, querendo ou não, foi isso que tu fez.

Então, respondendo à tua pergunta, acho que o primeiro passo para sair da teoria já foi dado: concordar que -- ao contrário do que foi dito inicialmente, essas práticas não são aceitaveis. Qual o proximo passo?

Abraço,
Bruno

Anônimo disse...

Oie tudO bem???


Vc tem Orkut ou msn??
Queria Pode falar cOm vc

BeijoS

Anônimo disse...

Entaum me add

Okeeys??


Tarsila.bello@hotmail.com